Beyond the Scene by Yiyun Kang, 2020

O que cultura pop tem a ver com Relações Internacionais? Tudo! Esse texto foi publicado no começo de 2019 e analisa a importância do projeto do grupo coreano que uniu globalização e arte contemporânea.

Em 2019, a produtora Big Hit havia anunciado um mapa visual para o lançamento do álbum Map of The Soul: 7 - do grupo BTS, que indicava uma série de datas para eventos diversos, incluindo o ambicioso projeto global Connect, BTS. 

O projeto, que é uma justa adição à fase metalinguística da boyband, conecta 5 cidades e 22 artistas, cada um contribuindo com sua filosofia e imaginação única, objetivando redefinir o relacionamento entre arte e música, o material e o imaterial, artistas e suas audiências, artistas e artistas, e teorias e práticas.

Em suma, o projeto contemplou o desenvolvimento e promoção de uma gama de exibições artísticas por diversos países, todos patrocinados pelos sete membros. Mas para além do mero apoio às artes, museus e curadores, o que ocorreu foi um verdadeiro intercâmbio de conhecimento e apreciação entre todas as partes. Ou seja -  Connect, BTS procurou enfatizar a importância da arte, especialmente em um contexto atual de depreciação das classes artísticas impulsionada por grupos ideológicos; e também lidar com a questão de fluxo de identidade e relações transculturais na era da informação e globalização - e é dentro dessa estrutura que eu gostaria de explorá-lo.

Orixás — A Força dos Elementos, 2009 por Baba Murah und Candomblé Berlin (participantes do BTS Connect)

Nós vivemos os reflexos da globalização no dia-a-dia, e o crescimento desse fenômeno é inevitável. Para um melhor entendimento das consequências que enfrentamos, é importante enfatizar que o desenvolvimento da globalização é inerentemente relacionado à expansão do próprio sistema capitalista, que também tenta encontrar novas maneiras de crescer e se adaptar - assim sendo, o impacto cultural e social que essas interdependências entre atores internacionais impõem são, na verdade, apenas um produto de interesses econômicos.

A negligência dos efeitos de tal processo agrava conflitos sociais pelo mundo, e muitos deles estão relacionados à identidade. A ascensão de movimentos neofascistas e partidos políticos nacionalistas, políticas xenofóbicas e crescimento de liderança anti progressista pode ter suas próprias raízes geográficas distintas, mas são, talvez, igual e profundamente conectadas ao medo da perda das identidades que não estão acostumadas a perder protagonismo. 

A globalização traz a contínua amplificação da acessibilidade, a troca de comunicação entre comunidades, incluindo as marginalizadas; e ao mesmo tempo incita o desejo de um isolamento e separatismo idealizado por grupos de ódio. No entanto, diferentemente do que supremacistas (e companhia) disseminam, a verdadeira perda de identidade trazida pela interdependência aqui discutida tem outros alvos - que são mais vulneráveis. Culturas locais e negócios tradicionais estão sendo eliminados, seja por competidores globais ou através de assimilação, em um processo que dificilmente pode ser revertido.

Essa metamorfose socioeconômica, intrincada e universal, é improvável de ter um fim, e todos os dias acordamos em um mundo diferente ao de ontem. É nesse contexto em que o grupo coreano nasceu e prosperou globalmente apesar de estarem distantes do círculo do entretenimento americano. Como muitos de nós, eles também são produto de uma sociedade globalizada, e na carreira artística foram impulsionados pelos privilégios e barrados pelos entraves de serem interligados com o resto do mundo. 

Ao longo dos anos, a onda Hallyu e por consequência BTS tornaram-se uma expressão grande de uma mudança que, apesar de fundamentalmente capitalística, para muitos efeitos, está lentamente prevalecendo contra algumas das vozes reacionárias mencionadas anteriormente.

Em desafio às barreiras xenofóbicas, o grupo tem penetrado o ocidente com uma força que desconcerta a indústria americana. Outros atos têm ascendido através dos anos também - um exemplo que eu não deveria deixar de lado é o filme Parasita de Bong Joon Ho, com suas 6 nomeações ao Oscar, ganhando quatro deles (incluindo melhor filme!), uma façanha muito rara para filmes cuja língua não é o inglês. Essa mudança acontece pela demanda e interesse em produções estrangeiras, e apesar do ganho de audiência na américa e na europa não necessariamente medir o sucesso global do filme, ainda informa que o consumo de audiência, pelo menos nessas regiões, tem mudado dramaticamente.  

Justo ou não, o fato de configurarem uma expressão do soft power coreano, serem jovens e globalmente reconhecidos resulta em questões de identidades que sempre circundam o grupo. Mas essa não é a única razão: as letras e conceitos de BTS são frequentemente um convite para explorar, questionar e celebrar nossas próprias condições como humanos, cidadãos e qualquer outra categoria que nos é atribuída. Por meio da arte, eles se tornam convergentes a uma realidade que tem se tornado muito complexa para encaixar em apenas uma narrativa, e por isso, eles criam milhares.

Connect, BTS é tanto um projeto de conscientização como de autoconsciência. Na categoria de cidadãos globais, eles oferecem uma perspectiva com ainda mais conexões, deixando claro que para frente é o caminho do progresso. Isso tudo é entregue por meio da língua que eles falam, ou seja, arte; e arte contemporânea em si - que é um movimento vasto e indescritível - se torna pertinente para a conversa, uma vez que evoca questões sobre visões estabelecidas enquanto redefine nossas relações com pessoas e o espaço ao nosso redor.

Em um mundo cujo o fechamento de fronteiras ainda é rumo de inúmeras políticas, o projeto procura respostas por meio de reflexos, com maiores ligações interculturais e entendimentos - não apenas sobre o Outro, mas de nós mesmos. Encarar o novo requer constante avaliação de diversas sociedades e dos nossos papéis nelas, e pessoalmente, acredito que o agora seja um bom tempo para esse tipo de reflexão, porque discussões sobre identidade nunca estiveram tão relevantes. Entrar em contato com novas perspectivas é recompensador e BTS Connect expressa que diversidade e pluralidade são capazes de construir futuros enriquecedores.

Não é surpreendente que a escolha de artistas no projeto reflete essa narrativa.

  • Em Londres, Catharsis convidou a audiência para uma imersão de realidade que funde ecologia e tecnologia, incentivando o estudo da relação com e entre os dois
  • Em Berlim, Rituals of Care sentiu como a epítome dessa redação: a série é performada por artistas de todo mundo, zelando e confrontando espectadores por meio de vislumbres íntimos de suas culturas, religiões, gêneros, e no geral, suas próprias realidades;
  • Em Buenos Aires, Tomás Saraceno enfatiza a responsabilidade da audiência na luta contra o aquecimento global ao envolver a audiência no projeto Aerocene Pacha;
  • Em Seoul, a espacialidade é abordada em duas exibições diferentes. Enquanto a apresentação de fumaça verde, amarela e rosa sugerem a fragilidade de nossas próprias percepções, Yiyun Kang vai de volta a BTS numa colaboração que explora persona ou identidade por meio de coreografias escondidas sobre tecido;
  • Em Nova York, Antony Gormley descreve sua peça como "simplesmente um convite e uma questão, que é: venha ver como que é nessa coisa que não é, realmente, um objeto - é (mais como se fosse um) um lugar, um fenômeno. É um ambiente em que você se torna parte dele."

Apesar da discrepância de perspectivas, mídias e temas nessas exibições, todos informam a mesma mensagem; que é conexão. Daehyung Lee, curador que auxiliou o desenvolvimento das exibições, disse numa entrevista para o The Guardian que o objetivo principal do projeto é conectar indivíduos pelo mundo enquanto eles reavaliam suas circunstâncias presentes, atitudes e potencialidades. 

E é tudo por meio da arte. 

BTS Connect acabou, mas ainda temos todo o tempo para conhecer mais sobre os 22 artistas que fizeram tudo isso acontecer. Talvez eles possam incitar algum tipo de reflexão sobre como você ocupa seu próprio espaço, ou talvez eles possam mudar sua perspectiva sobre arte contemporânea. De qualquer modo, estamos perceptíveis a receber algo positivo dessa interação.

Produzido por: Nathália Ruiz Santos